sábado, 11 de dezembro de 2010

Oitavo capítulo do livro "Doce Fruto"

8 – DOCE PENSAMENTO



 



- Pensando nele, Tuca?


- Mesmo que não quisesse, tia Nalda. Com esse barrigão! Aqui dentro de mim tem um pedacinho dele.


- Não entendi porque não dissesses ao Beto que também estava grávida?


- E concorrer com a Carla? Luxo, dinheiro, progresso, sociedade com a mãe, Nova Iorque.


- E o amor que ele dizia sentir por você? - perguntou dona Nalda.


- Esse não enche barriga. Tia, você me prometeu que não iria mais falar do Beto. Quando essa menina nascer, eu...


- Sim. Eu...


- Tia, eu vou dar essa criança. Não vou conseguir passar o resto da vida vendo um fruto do Beto junto de mim.


- Tuca! Não é do seu coração que sai essas palavras. Olha só, tenho certeza que se você disser a Ana Cecília que ela terá uma netinha, ela te ajudará, te dará forças. Ou então, eu crio. Tuca, me escuta... veja só! Essa criança é um fruto teu também, não é obra só do Beto.


- Tia, eu vim para Santa Paz para esconder essa barriga da mamãe. Imagina a ladainha quando ela viu no jornal o casamento de Beto e Carla: “tá vendo o homem da sua vida? Engravidou a filha da juíza...” Imagina se ela souber que ele me largou por essa Carla, imagina se ela souber que estou grávida!


- Tenho medo que ela apareça aqui de surpresa – falou dona Nalda olhando firme para a sobrinha.


- Disso eu não temo, ela sempre avisa quando vem, sempre foi assim.


- E esses vizinhos fofoqueiros? – insistiu dona Nalda.


- Tia, eu estou enclausurada aqui desde que essa barriga cresceu. Quando toca a campainha, corro para o quarto.


- Você vai dar a quem essa menina?


- Tenho um mês ainda para pensar nisso, tia.


- Que tristeza! – saiu dona Nalda da sala com lágrimas nos olhos.






Roberto. Era assim que ele já estava sendo chamado por todos, estava sentado no enorme sofá do seu apartamento folheando um livro de Direito. Um doce pensamento passeava por aquela mente: Tuca. Como será que ela estava? Onde será? Por que decidiu sumir em definitivo da universidade? Clarisse não tinha notícias dela. Faltava coragem de ligar para dona Ana Cecília ou para Santa Paz, afinal era um homem casado, quase pai.






- Meu querido, está pensando em quê? - perguntou Carla chegando na sala.


- Nesses poucos dias que faltam para a Aline nascer - disfarçou Beto.


- Aline Feitosa Albuquerque. Será um nome pomposo o da nossa princesinha.


- Lindo! Sempre gostei desse nome - falou Beto.






O telefone da casa de dona Ana Cecília toca e ela atende.






- Mãe!


- Alô, filha! Tuca!


- Mãe estou mortinha de saudades! Olha, as encomendas aqui de tia Nalda estão menores e daqui a dez dias estou voltando para casa.


- Eu nem acredito! Oito meses aí, achei que não fosse voltar nunca mais.


- Os dramas de dona Ana Cecília.


- Drama nada! O pior é que eu nem pude ir por aí esse tempo todo. Sua tia está em ordem?


- Tá tudo bem, mãe. Um beijo!






Tuca lacrou a mochila. Era noite. Noite muito escura, nem lua, nem estrelas decidiram aparecer. Estava decidida no que ia fazer. Ir para a capital e passar os últimos dias de gestação na casa de Clarisse, sua eterna amiga e confidente. Ter sua filha na capital, em um hospital mais evoluído e depois arrumar um jeito de dar sua cria.






- Não quer mesmo que eu vá com você? - perguntou a sempre preocupada dona Nalda.


- Não, tia. Olha, assim que chegar na casa de Clarisse, ligo para você.


- É uma temeridade, você sair e pegar uma viagem, já tão pertinho de ter neném.


- Não vai acontecer nada. Não se preocupa. Sou mesmo abençoada, tenho Nossa Senhora comigo sempre, e, aqui na Terra, nasci com três mães: Ana Cecília, você e Clarisse.






Durante toda a viagem Tuca sentia fortes dores. Contrações? Será que daria tempo de chegar à capital?


Misturado às dores, vinham as dúvidas. O que fazer? Parar por ali mesmo, em uma cidade desconhecida? Voltar para Santa Paz? Impossível! E as dores já eram insuportáveis. Meia hora ainda faltava para chegar à capital. Por quê? O sofrimento, o balançado do ônibus, a noite escura, as dores que não cessavam, o pensamento em Beto...


Não suportou e pediu para o motorista parar quando avistou algumas luzes. Uma minúscula cidade.






- Mas a senhora já está tendo menino - falou o motorista.


- Mas é aqui a minha cidade. Pare, por favor - falou Tuca com uma expressão de desespero e com as mãos na barriga.


- Mas aqui está na estrada. Deixo a senhora na sua casa ou em algum hospital.


As pessoas que estavam no ônibus começaram a reclamar e pediram que deixasse Tuca naquele local, ninguém queria se atrasar. Compaixão não era o forte por ali. Medo de parar em uma estrada tão sinistra, fazia com que aquela compaixão fosse nula.






- Moço, minha casa está bem próxima - falou Tuca colocando a mochila nas costas.






O ônibus parou. Tuca desceu com dificuldade. Caminhou algumas ruas na cidade desconhecida. Escuridão. Viu algumas luzes acesas ao longe... muitas luzes. Caminhou. Dores... tantas dores. Um circo? As luzes eram de um circo? Caminhou. Chorou um pouco.Chegou.


Uma mulher aparentando seus trinta e poucos anos de idade, sozinha, fumando, sentada no meio fio. Andou e se aproximou dela.


A mulher parecia chorosa, passando por algum sofrimento. Levantou-se e foi ao encontro de Tuca.






- Minha senhora, por favor.






Conseguiu em meio a muitas dores ler o nome do circo, mal acreditou: Circo Cristal. O mesmo daquele dia encantador com Beto.






- A senhora está em trabalho de parto? - perguntou a mulher percebendo todo o sofrimento de Tuca.


- Por favor, minha senhora, não agüento mais de dor. Acho melhor chamar alguém do circo, aí deve ter uma estrutura melhor, para eu ter essa criança do que o meio da rua.


- Nem adianta chamar alguém desse circo agora, eles estão em plena apresentação, ninguém vai te ajudar. Venha até aqui.






A tal mulher pegou a mão de Tuca e saiu arrastando-a até uma calçada de uma casa próxima. Abriu a mochila dela e estendeu um lençol naquela calçada. A criança começou a sair. Dores.


Naquele momento Tuca pensou unicamente em Beto. As dores se intensificavam e uma sensação de poder tomava conta de sua mente. Mãe. Filha. Sentia aquela menina nascendo, mas queria desviar qualquer sentimento afetuoso por aquele ser que estava chegando ao mundo.


Nasceu! O doce fruto da relação de Tuca e Beto chegara ao mundo! Doce Fruto!


O cordão umbilical foi cortado com uma tesourinha de unhas que a mulher encontrara na bolsa de Tuca.






- Como está se sentindo? – perguntou a tal mulher que acabara de fazer o parto.


- Bem! Doeu muito, mas já me sinto bem. Meu Deus! Você foi a minha salvação. Como é seu nome?


- Rosa - respondeu a tal mulher.


- Rosa, você já tinha feito partos? - perguntou Tuca.


- Só de animais.


- Você tem filhos? - continuou interrogando Tuca.


- Pela vida que levo... nem marido, nem filhos, nem ninguém. Que criança linda e saudável! – admirou-se Rosa com o bebê na mão.


- Não posso criá-la - falou Tuca olhando o bebê nos braços de Rosa.


- Não o quê? - perguntou Rosa com um certo ar de indignação.


- Não tenho condições! – falou Tuca ainda deitada na calçada - Fica com ela. Você trouxe ela ao mundo. Você de certa forma é mãe.


- Meu Deus! Você não deve estar falando sério. Você não vai criar essa obra de arte que Deus te deu?


- Por favor! Eu... não posso.


- Tivesse pensado nisso antes de...


- Por favor! Crie ela para mim.


- Eu... claro - falou Rosa movida pela emoção - Era tudo que eu mais almejava nessa vida. Um filho!






Tuca passou mais algum tempo deitada por ali. A dona da casa ouviu aqueles sussurros em sua calçada e junto com Rosa levou Tuca para dentro.


Rosa com medo de Tuca desistir da proposta de dar a pequena filha enrolou-a em um pano e saiu se despedindo. Tuca derramou uma lágrima vendo Rosa se afastar com sua filha e entrou na casa da mulher, onde decidiu ficar até o amanhecer.






- Você está bem? - perguntou a mulher sentando Tuca em seu sofá.


- Estou sim, preciso só de um bom banho.


- O que aconteceu aqui em minha calçada? Diga com sua boca para eu acreditar, pois não quero acreditar só em meus olhos.


- Dei a luz aqui em sua porta. Aquela mulher me ajudou no parto.


- E para onde ela levou a criança? - perguntou a mulher sem entender o ocorrido.


- Não tenho condições de criá-la. Dei a menina.


- Não pode ser! - indignou-se a tal senhora.






As duas conversaram algumas horas e a dona da casa afirmou que nunca tinha visto na cidade aquela mulher que fez o parto de Tuca.






- Não!? Mas uma cidade tão pequena! Achei que todos se conheciam por aqui.


- Nunca vi, minha filha! Será que é uma boa mulher? Será que vai cuidar bem de sua filhinha?


- Creio que sim. Foi tão solícita. Me pareceu uma pessoa do bem.






Tuca ainda conversou com a mulher, tomou um banho e repousou um pouco. Conseguiu dormir e acordou com um choro de recém-nascido. Foi até o corredor e encontrou a dona da casa lendo um livro na sala.






- Tem um bebê aqui? - perguntou Tuca.


- Bebê? Não, minha filha. Você deve estar impressionada. Volte a dormir.


- A senhora ainda está acordada!? São duas da manhã!


- Sofro de insônia.


- Posso fazer duas ligações? Eu... meu Deus! Tinha que ligar para...


- Pode. Mas não é muito tarde?


- Mas tem gente querendo saber notícias minhas. Eu...






Tuca pegou o telefone e começou por dona Nalda.






- Alô, tia.


- Minha filha! Estava maluca sem saber notícias suas! Já está na capital?


- Não!


- O que aconteceu?


- Tive a menina no meio do caminho.


- Tuca, pelo amor de Deus!


- Tia, já está tudo bem. Já repousei o suficiente.


- E a menina?


- Entreguei para a mulher que fez o parto.


- Onde você teve a menina?


- Numa calçada. Mas correu tudo bem. Não se preocupa.


- Filha, estás onde agora?


- Na casa de uma bondosa senhora que conheci aqui. Não se preocupa, tia, está tudo em ordem.


- Tá certo.


- Vou ligar para a Clarisse. Ela deve estar preocupada comigo.






Tuca desliga o telefonema da tia e começa a discar o telefone de Clarisse.






- Alô, amiga!


- Tuca, onde você está, tô quase louca!


- Clarisse, eu já tive a criança.


- O quê?






As duas amigas conversaram bastante, mas Tuca não contou detalhes. Dali em diante não teve mais contato algum com a amiga. Não revelou que tinha dado a garota. Disse que apenas ia virar uma página em sua vida.















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