17 – DOCES CONCLUSÕES
Chega o outro dia no Colégio Base. Hora do intervalo e Julinha chama as duas amigas para a biblioteca.
- Escutem só. Quero saber algumas coisas de vocês.
- Nossa, Julinha! Você está parecendo um furacão! – falou Aline.
- Pois é! – exclamou Zeza.
- É que minha cabeça tá um furacão! – falou Julinha olhando para as duas amigas.
- Está confuso fazer a conclusão dos nossos trechos? – quis saber Aline.
- São os textos que estão te deixando assim? – questionou Zeza.
- Estou na fase de junção dos textos e minha conclusão será um surpresa para vocês duas. A propósito, Zeza, você mora aqui na capital com sua avó, né?
- É – respondeu Zeza com um olhar de interrogação para a amiga.
- Qual o nome dela?
- Ana Cecília. - respondeu Zeza.
- Você tem avô? – perguntou Julinha.
- Não, ele faleceu antes da mamãe nascer. Atropelado.
- E como era o nome dele? - perguntou Julinha.
- Lúcio.
Julinha imediatamente pensou. Lúcio! Meus Deus! Por que Deus está colocando tantas coincidências diante de mim? O mendigo! A bendita história do mendigo tio Lu. Lúcio é tio Lu?
Peças de um quebra-cabeça quase que encaixadas por completo. Tuca, mãe de Zeza, doceira desde criança, filha de Ana Cecília e do mendigo tio Lu. Beto, ex-universitário e agora juiz não empossado, que atende pelo nome de Roberto Albuquerque, pai de Aline. Tiveram no passado um caso de paixão ardente. Pensava Julinha. Será?
Mas espera um pouco. Tuca deu a filha desse doce amor que tivera com Beto. Será que essa filha é Zeza e ela não deu essa menina coisa nenhuma? Continuava pensando Julinha.
- Você precisa colocar um detalhe que para mim vai ser fundamental na história, digo, para fazer a conclusão. - falou Julinha olhando firme para Zeza.
- O quê, criatura? – perguntou Zeza.
- Perguntar a dona Tuca, como foi que a tal doceira da história dela deu a criança. Detalhes.
- Tem uma doceira na história de Zeza também? – perguntou Aline.
- Olha, meninas, para o bom andamento do nosso trabalho, preciso que uma não conte a outra sobre o texto que executaram.
- Tudo bem, majestade! – falaram Aline e Zeza em coro.
- Tá certo, falo com a mamãe hoje ao telefone.
Julinha tinha a certeza que tudo estava para ser desvendado. Mas e o doce fruto da união de Beto e Tuca, quem era?
Zeza chegou na casa da avó e imediatamente pegou o telefone para ligar para a mãe. Cumprimentaram-se, mataram um pouquinho a saudade e Zeza então entrou no assunto.
- Mãe, lembra aquela história que você me contou ainda criança, sobre a doceira e o rapaz do ônibus que se apaixonaram? - perguntou Zeza em um só fôlego.
- O que tem essa história? Você ainda lembra disso? Quem te perguntou sobre ela? Sua avó? - interrogou Tuca.
- Calma, mãe, é um trabalho de Redação do colégio.
- E você vai contar essa história?
- Vou. Qual é o problema?
- Nenhum - respondeu Tuca um pouco abalada.
- Eu só queria que a senhora me dissesse uma coisa. Como foi que a tal doceira deu a criança?
- Como foi? Ora, como assim? Dando - quis se livrar logo da história.
- Detalhes, mamãe, o professor exige detalhes - cobrou Zeza.
- Bem. Ela escondeu a gravidez do tal rapaz e teve sua filhinha no meio da rua, numa calçada, digamos assim. Ajudada por uma mulher. Então ela deu essa garotinha para a mulher criar. Pronto a história termina aí.
- Mil beijos, mãe!
- Sim, esqueci de dizer, existia bem perto dali, do lugar do parto, um circo armado. O mesmo que a doceira e o rapaz assistiram no começo do namoro. – falou Tuca mergulhada nas lembranças do passado.
- Beijão, mãe.
- Olha, nada de ficar contando essas bobagens para a sua avó. Você sabe que ela detesta essas histórias compridas.
- Sei. Histórias estabanadas - sorriu Zeza.
- Isso, histórias estabanadas - sorriu Tuca também.
Aline estava deitada em sua cama, descansando um pouco da manhã atribulada, quando Juliana, a fiel governanta, entra no quarto da jovem com o telefone sem fio na mão, dizendo que era a Julinha na linha 1.
- Oi, Ju. Ainda pegada nas histórias? - perguntou Aline com sua suave voz.
- Com certeza! Aline, pergunta a teu pai o nome do circo que os personagens começaram o namoro.
- Tem alguma importância o nome do circo? Julinha, essa história foi inventada pelo papai, o circo não tem nome. Não precisa.
- Tá bom, mas mesmo assim, diz a ele que está fazendo um trabalho com essa história que ele te contou e pede a ele uma sugestão de nome de circo.
- Você vai acabar pirando com esse trabalho de Redação, Julinha.
- Que nada! Só quero chegar a uma doce conclusão.
Na hora do jantar, estavam sentados à mesa, Aline e doutor Roberto Albuquerque. Carla estava ainda na LpontoA. Roberto, depois de um tempo que contou a história para Aline, pediu que a filha não comentasse nada com Carla. Aline obedeceu, mas estranhou aquele pedido. A menina conferiu que a mãe não estava em casa e em voz baixa começou o diálogo com o pai.
- Pai.
- Oi, filhinha. - falou Roberto dando um gole no suco.
- Já saiu o lugar que você vai morar? - perguntou Aline antes de entrar na história.
- Essa semana está saindo.
- Pai, você lembra daquela história que o senhor me contou da doceira e do rapaz do ônibus que se apaixonaram? - baixou ainda mais o tom de voz.
- Perfeitamente, Aline. Nossa historinha secreta.
- Como era o nome do circo que eles começaram o namoro?
- Você vem com cada uma. Aquela história é tão antiga. O circo não tem nome, sei lá, minha filha. - falou Roberto um pouco assustado.
- Diga um nome então qualquer para o circo. Inventa - sorriu Aline.
- Para que isso agora? – perguntou doutor Roberto muito curioso.
- Um trabalho de Redação do Colégio - falou Aline comendo torradas com geléia.
- Sei lá, coloca Circo Cristal. Gostou? - falou Roberto sorrindo e levantando-se da cadeira.
- Cristal! Por que esse nome? - perguntou Aline surpresa.
- Ora, inventei agora - pegou a maleta.
- Mas esse circo existe, sabia? - questionou Aline.
- É? Nem sabia - falou Roberto fazendo pouco caso.
- É o circo que aquela minha colega Julinha, que te falei, foi criada.
Pai e filha ainda conversaram um pouco e o desfecho da conversa foi desagradável para Aline. Roberto colocou sua maleta em uma das cadeiras, sentou novamente no seu habitual lugar e fez uma expressão não habitual.
- Filha, você já tem quase dezesseis anos de idade, já deve compreender esse tipo de coisa.
- Sobre a mamãe que você vai falar? - foi direto ao ponto, já esperando aquela conversa.
- Filha, nós...
- Doutor Roberto, não gaste sua saliva, nem sua adrenalina - falou a amadurecida Aline.
- Pai, sempre notei que você e a mamãe eram mais amigos do que qualquer outra coisa.
- A Carla era uma colega maravilhosa na faculdade. Virou amiga e confidente, fez a sociedade com sua avó e tornou-se a mãe do meu maior tesouro: você - refletiu.
- Tá vendo pai: colega, amiga, sócia, mãe. Nunca escutei você dizendo minha grande paixão, o amor da minha vida - olhou firmemente para o pai.
- Eu estaria mentindo - afirmou Roberto.
- Pois é. Vocês então já devem ter conversado sobre a separação propriamente dita - falou Aline.
- Assim que eu tomar posse na cidade do interior, vou comprar uma casa e me mudar pra lá. Aqui continuará tudo igual: você, sua mãe, a sociedade dela na LpontoA com sua avó, a Juliana para fazer seus gostos, o Rodrigo, nosso motorista...
- Sem você, pai, isso aqui nunca vai ficar tudo igual - levantou-se e deu um abraço em Roberto.
Aline e Roberto ainda conversaram mais um pouco, abraçaram e derramaram algumas lágrimas.
Tuca chegou na casa de dona Nalda um pouco chorosa. A tia estava na cozinha preparando alguns doces.
- É definitivo, tia Nalda - falou Tuca entrando na cozinha da tia.
- Você e o Zé? - perguntou dona Nalda só para confirmar.
- Não dá mais. Ele é um grande companheiro, amigo, excelente pai, mas...
- Você não o ama - afirmou a tia.
- Sabe, tia, foram anos tentando ter um fio de paixão. Amar.
- É difícil, né filha? - olhando firme para a sobrinha.
- Achei que fosse fácil, mas...
- Você vai voltar a morar comigo? - perguntou dona Nalda.
- Posso?
- Claro, Tuca, essa casa sempre esteve aberta para você.
- Olha, tia, quando a Zeza terminar esses estudos na capital, ela decide o que faz da vida dela. Se fica com o Zé, se vem morar conosco, se fica fazendo faculdade pela capital, morando com a mamãe.
- Ela já sabe da separação? - perguntou dona Nalda a Tuca.
- Comecei a contar aos poucos, mas Zé Bicicleta vai ligar hoje e conversar com ela.
Colégio Base, antes das sete da manhã, à espera do toque da primeira aula. Zeza e Aline já conversavam no canto da sala, quando Julinha vai se aproximando das duas.
- Posso entrar na conversa das minhas nobres amigas? - perguntou Julinha.
- Estamos conversando sobre as últimas novidades das nossas casas – falou Aline olhando para Zeza.
- O que houve?
- Meus pais e os pais de Aline estão se separando – falou Zeza com um olhar tristonho.
- Que isso, gente!? Bola pra frente! Vocês tiveram os pais de vocês juntos, por tanto tempo. Curtiram adoidado a família. Agora vão continuar curtindo, só que de outra forma. Já imaginaram vocês que cada uma terá duas casas agora? Gente, fui criada por uma mãe maravilhosa, mas uma mãe adotiva, não tive pai. Meus pais biológicos nem sei o rastro. Estão derramando lágrimas à toa. Ninguém morreu.
As três amigas se abraçaram e sorriram. Nada como uma perfeita amizade.
- Sim, mas não pensem que esqueci do resultado da pesquisa de cada uma – falou Julinha.
- Ai, não agüento mais esse bendito trabalho de Redação! - desabafou Zeza.
- Vou começar. Papai disse que o que me contou era apenas uma história inventada, e... – falou Aline.
- Mas ele deu um nome para o circo da história? – perguntou Julinha.
- Pra se livrar, disse Circo Cristal. Acredita que coincidência! E falou que nem sabia que existia um circo com esse nome – disse Aline.
- Não precisa dizer mais nada – falou Julinha montando mais uma peça do seu quebra-cabeça.
- Bem. A mamãe falou que a doceira escondeu sua gravidez do rapaz e quando estava prestes a ter a criança, avistou uma mulher solitária, no meio da rua e essa mulher que mais parecia um anjo, fez o parto dela numa calçada.
- Como é, Zeza? – espantou-se Julinha.
- E a doceira deu a criança para essa mulher e foi embora - completou Zeza.
- Assim como um anjo! – falou Julinha lembrando da sua história contada por Rosa.
- Sim. Disse que a doceira, antes de ter a criança, olhou para frente e viu um circo armado. Por coincidência o mesmo do começo do namoro dos dois.
- Não posso acreditar! – disse Julinha trêmula – só pode ser uma brincadeira!
- Nossa! Tantas coincidências nessas histórias! – admirou-se Aline.
- Aline, seu pai e minha mãe têm a mesma idade praticamente, então essa é uma história da geração deles. Que os pais deles contaram e eles contaram a gente e agora a gente vai contar para a galera da nossa turma. Não é isso, Julinha? – perguntou Zeza.
- Julinha! - chamou Aline.
Julinha estava muito longe dali. Não tinha mais dúvidas. Tudo estava encaixado. Conseguira sozinha montar um quebra-cabeças completo. Agora essa história já tinha final. E o final, ia ser de qualquer forma, feliz.
- Julinha! – gritavam Zeza e Aline em coro.
- Oi, gente. Desculpa! Eu ouvi tudo que vocês disseram, mas é que eu não estou passando muito bem.
Imagina só! Para quem não sabia rastro nenhum dos pais biológicos, de repente os encontrou ali tão próximos. Eu era o doce fruto de Tuca e Beto. Era filha daquela doceira e do rapaz do ônibus. Pensava Julinha.
- Meninas, escutem só. Não tenho condições de assistir aula hoje, de repente me bateu a maior tontura - falou Julinha levantando-se da cadeira.
- Você quer que eu ligue pro meu motorista te deixar na pensão? – perguntou Aline.
- Não, amiga, vou mesmo a pé. Não se preocupa comigo. Olha só. Posso fazer um pedido para vocês?
- Diga – falou Zeza.
- Eu vou fazer a conclusão da história, né isso? - olhando para Zeza e Aline.
- É – responderam em coro.
- Deixa também eu organizar a apresentação sozinha?
- Mas não vai dar muito trabalho para você? – perguntou Aline.
- Olha, se ficar muito complicado, peço ajuda, mas eu acho que a contribuição de vocês duas já foi maravilhosa.
Julinha se encaminhou para o corredor. Estava zonza. Pensou de imediato que ganhara de uma só vez, um pai, uma mãe, duas irmãs, uma identidade.
Julinha saiu caminhando pelo Colégio Base e avistou o professor de Redação ao longe. Foi ao seu encontro.
- Professor Brian, o prazo máximo da apresentação é dia 15 de dezembro? - perguntou Julinha.
- É. Vocês, inclusive, ainda não agendaram a de vocês. - falou o simpático professor de Redação.
- Pode ser nessa data. Só o grupo da gente? - questionou Julinha.
- Deixa eu ver aqui. – falou professor Brian abrindo sua agenda. Dia 15, sexta-feira. Ninguém colocou essa data, todo mundo agendou datas antes.
- Sabe o que é, vou falar com o diretor, se é possível ele conseguir um ônibus para levar a nossa turma inteira para...
- A apresentação vai ser fora do colégio? – perguntou o professor
- Pode? - sorriu Julinha na expectativa da resposta.
- Se o diretor permitir... onde vocês pretendem fazer?
- Olha, quero fazer uma surpresa para todos vocês. Porque eu tô nascendo hoje e sou a pessoa mais feliz desse mundo.
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