quarta-feira, 13 de abril de 2011

Décimo sexto capítulo de Doce Fruto

16 – DOCES HISTÓRIAS









Brian, o professor de Redação do primeiro ano do Colégio Base, entrou em sala inspirado aquela manhã. Animado e com um grande projeto em mente, estava louco para passar suas idéias para os seus alunos do primeiro ano.






- Vamos fazer um trabalho diferente. Vai levar um bom tempo de elaboração, mas exijo capricho. Vou primeiro explicar, depois copio tudo no quadro, para não ficar dúvidas. Certo?


- Certo! – alguns do primeiro ano B responderam.


- Pois bem. Em trio – a movimentação tradicional começou para ver quem ficava com quem – Gente! Silêncio! Depois eu deixo vocês escolherem os grupos. Gostaria que o trio elaborasse uma história...


- Meu Deus, lá vem – falou o chato que sempre tem em sala de aula.


- Uma história. Vou fazer de conta que não te escutei - respondeu ao menino - Uma história de amor. Nessa história, um dos componentes do grupo tem que elaborar o começo, outro o desenvolvimento, e, o outro, obviamente o fim.


- Livremente, uma história qualquer? - perguntou Aline.


- Calma, Aline, deixe-me terminar. Então, só quero nessa história de amor, um homem, uma mulher e uma terceira pessoa.


- A amante – falou outro engraçadinho.


- Não necessariamente, meu nobre! Mas se na sua história de amor você quiser falar de traição, esteja a vontade – falou o professor calmamente querendo na verdade esganar o aluno – Pois bem, quero que nessa história apareça um espetáculo qualquer: teatro, show...


- Pode ser circo, professor? - perguntou Julinha.


- Pode.Você vai deitar e rolar nessa história, hein? Mas não vá falar só do seu habitat e esquecer a história de amor, viu?


- Deixa comigo.






O professor ainda passou as coordenadas por um bom tempo. Alguns engraçadinhos atrapalharam bastante, mas finalmente ele concluiu.






- Então tudo está explicado, copiado no quadro, trios definidos. Quero que vocês me apresentem essa história da maneira mais artística que vocês puderem. Quero todos trabalhando. Vai ser minha única nota desse último bimestre. Criem!


O intervalo tocou e Julinha, Aline e Zeza foram para a biblioteca.






- E o professor implicou. Não queria que ficássemos juntas no trabalho – falou Julinha.


- Disse que a gente parecia colada uma na outra – falou Zeza.


- Nos chamou de trigêmeas! – falou Aline sorrindo.


- Então quem fica com o começo da grande história? – perguntou Julinha.


- Eu fico – falou Aline.


- Eu fico com o meio – falou Zeza.


- E eu termino então – disse Julinha.


- Vocês já têm algo em mente. Que história contar? – perguntou Aline.


- Eu já. Uma que minha mãe contou há anos. Pareceu bem comovente e tinha uma terceira pessoa e um circo – falou Zeza.


- Pôxa, a que eu sei é bem legal! – disse Aline


- Foi sua mãe que contou? – perguntou Zeza e Julinha de uma só vez.


- Não! Foi papai – falou Aline sorrindo.


- Pois já estamos em sintonia. De circo sei tudo. Vocês começam a história e eu dou o final. Mas vamos decidir uma coisa. Cada uma faz sem combinar com a outra. Só depois eu junto as partes – discursou Julinha - vamos soltar a criatividade.


- De preferência um final feliz, viu Julinha, por favor! – falou Aline.


- A história que seu pai contou tinha final feliz? – perguntou Julinha a Aline.


- Nem final tinha – riram as três.






Dias e mais dias se passaram. As três garotas estavam empenhadas no projeto mandado pelo professor Brian. Aline começou a lembrar da história do pai e iniciou a escrita. Zeza decidiu fazer a história completa que Tuca havia lhe contado e depois Julinha fazia uma junção das histórias, eliminava algumas coisas, acrescentava outras e dava o esperado final.


E a apresentação? Como seria? Ainda não tinham pensado em nada. E o tempo foi passando.


Dona Clarisse estava na sala da pensão, quando bateram palmas lá fora.






- Quem está aí? - perguntou a dona da pensão que já tinha passado há muito tempo dos seus noventa e três quilos.


- Esmola, pelo amor de Deus! - Uma voz quase sumida vinha lá de fora.






Dona Clarisse abre a porta e vê um velhinho muito maltrapilho. Um coitado.






- Quer um prato de comida, meu velho? - perguntou dona Clarisse.


- Quero, minha filha. O que a senhora tiver. Estou com muita fome! - respondeu o pobre velho.






Clarisse preparou um prato de comida e deu a Geraldina, sua serviçal, para ela entregar ao pobre mendigo.


O velho sentou-se nos batentes do alpendre e começou a devorar a comida. Animal?






- O senhor mora onde? – perguntou Geraldina.


- Na rua, filha, na rua - respondeu o velho de boca cheia.


- Desde criança!? - perguntou mais uma vez.


- Não! Já tive casa, mulher e acho que tenho até um filho também – respondeu o tal velho.


- Acha, meu velho? Por que acha?


- É. Apenas acho - respondeu.


- O que aconteceu com o senhor? Qual o seu nome? - quis saber Geraldina.


- Na rua todos me chamam de tio Lu - fez um ar de riso.


- Mas me diga, por que está nesse estado?


- Eu amava muito minha mulher. Já estava casado há dois anos. Ela chegou dizendo que estava grávida. Eu...


- Eu...


- Tive medo! - falou tio Lu.


- Medo de quê? - questionou Geraldina.


- De assumir aquilo tudo. Medo! Achei que ter um filho era complicado e que, sei lá... medo.


- Então o senhor saiu de casa? - insistiu Geraldina nas perguntas.


- E todo mundo pensa que eu morri, atropelado. Meus amigos foram lá dizer a minha mulher que eu estava estraçalhado, que juntaram meus caquinhos e botaram no caixão. Fugi. Passei anos fora daqui, perambulando, pegando bicos, mas decidi voltar.






Geraldina ficou estarrecida com a história do pobre mendigo. Anos e anos trabalhando na pensão de dona Clarisse. Tantas histórias já ouvira, mas aquela, lhe impressionara bastante.


Julinha foi chegando e ainda escutou parte do relato do tal velho. Que história maluca! Inventar que foi atropelado!






- Quem é? - perguntou o velho a Geraldina.


- É uma das nossas pensionistas - observando Julinha que logo entrou em casa esquecendo de cumprimentar Geraldina e o mendigo.


- Bonita moça! – falou o velho.


- É um doce de menina – disse Geraldina.


- Geraldina, por favor, não precisa me chamar para o jantar - falou Julinha colocando o rosto na janela que dava para o alpendre - Faço um lanche no quarto mesmo. Quero me concentrar para fazer a montagem das histórias que lhe falei aquele dia – disse Julinha.


- Tudo bem! Já está com as histórias de Aline e de Zeza, Julinha?


- Tudo aqui. Quem é a nobre figura? – perguntou Julinha em voz baixa para tio Lu não escutar.


- Um coitado que pediu esmola e dona Clarisse pediu para eu dar um prato de comida. Você escutou que história maluca a dele? Será que está caducando? - perguntou Geraldina também em voz baixa.


- Não tem cara de caduco. Segura esse velho porque se essa nossa história não der certo a gente conta a dele – falou Julinha sorrindo e entrando na pensão.






Dona Clarisse, lá de dentro, falou ao velho que podia aparecer outras vezes para comer. Sempre sobrava comida. O mendigo disse que viria. Ela simpatizou com tio Lu, tinha um olhar bom e de arrependido pelo que tinha feito.


Julinha correu para o seu quarto, trancou a porta, ligou o ventilador e tirou os papéis das amigas de dentro da pasta.


Pegou primeiro a história de Aline e começou a ler.






Um jovem de nome Beto pegou seu habitual transporte coletivo e foi para mais uma rotineira aula na faculdade.


Beto era bonito e esbanjava alegria naquele momento. Decidiu sentar-se ao lado de uma simpática menina que carregava em seu colo uma cestinha de doces.


Os dois começaram a conversar. O nome da garota era Tuca e ela vendia aqueles doces na mesma faculdade que Beto estudava.






- Essa Aline é engraçada! Tuca! Apelido da mãe da Zeza.






Os dois se viam todos os dias na universidade.Começaram a namorar. Que linda paixão! Foram a um circo e consolidaram ali o primeiro dia de namoro dos dois.






Agora é para a minha amiga Zeza colocar o meio.






- Mas espere um pouco. Essa história é muito parecida com a que dona Clarisse me contou. Será que foi algo que aconteceu aqui na capital? Uma lenda? E o final? – pensou Julinha - Deixa eu ler o de Zeza.










Julinha, é tão difícil desenvolver um texto sem começá-lo, que decidi fazer um começo. Veja o que pode fazer para juntar a minha história com a de Aline e depois colocar um final. Beijos Zeza.






- Engraçadinha! E eu que me vire pra juntar essa colcha de retalhos. Lá vai.






Uma garota estava dentro de um ônibus e surgiu um bonito rapaz e sentou-se ao seu lado. A garota era vendedora de doces, o rapaz universitário. Estavam indo para o mesmo destino.


Além da universidade, o destino era a paixão. Se envolveram de imediato e começaram um lindo namoro. Assistiram a um espetáculo circense. A menina, que vendia doces e o rapaz universitário viveram dias de sonhos.






Agora é a minha parte propriamente dita, Julinha: o desenvolvimento.






A garota engravidou do rapaz e ela foi contar a ele. Mas algo mudara entre o casal. Do mesmo jeito que o amor chegou, também partiu.


Ela teve sua filhinha sozinha, não falou nada para o namorado e acabou dando essa filha, que era fruto desse lindo amor.


Ela se julgava cruel por ter dado a filha e o rapaz era alguém muito cruel também por ter terminado aquele namoro.






Foi tudo que pude fazer, Julinha. Continua daí.






- Que brincadeira é essa!? As histórias são parecidas! Elas combinaram!? Mas nós decidimos de não falar uma com a outra sobre nossas criações? – pensou Julinha em voz alta.






Julinha leu as histórias mais uma vez.


- Semelhantes! Coincidem com a história de dona Clarisse! Mas espere um pouco, se não me engano, essa garotinha dos doces e esse rapaz universitário da história de dona Clarisse existiram – ficou Julinha quebrando a cabeça.






Começou a se enrolar cada vez mais. Mas a história de Aline foi contada pelo pai dela, aqui na capital. A história de Zeza foi contada pela mãe, lá em Santa Paz, cidadezinha dela. Espera um pouco. Pensava Julinha.


Pegou o telefone e ligou para Zeza. Precisava saber algo da história.






- Alô, Zeza. Qual os nome dos seus personagens? - perguntou Julinha.


- Você já leu foi? - falou Zeza sorrindo.


- Zeza, por favor!


- E num ficou combinado que quem dava os nomes dos personagens era Aline? - disse Zeza.


- Zeza. Ela deu os nomes. Mas qual os nomes dos seus? Você disse que essa história foi contada por sua mãe, e...


- Olha, quando a mamãe me contou só falou o nome do rapaz: Betinho.


- Tá bom! Olha, não diz nada para a Aline que liguei. A nossa combinação de não comentar as criações ainda está de pé. Beijos! - falou Julinha ainda impressionada com tanta coincidência.


O coração de Julinha disparou. Betinho! Meu Deus, o que é isso? Alguma brincadeira? Beto, Betinho...


Pegou o telefone e ligou imediatamente para Aline. precisava também tirar algumas dúvidas com a amiga. Nem pensava mais em professor, apresentação, nem muito menos em final da história. Só nas malditas coincidências.






- Alô, Aline. É a Julinha.


- Diz, Ju, já leu as histórias? - perguntou a simpática Aline.


- Você combinou alguma coisa com a Zeza? - questionou Julinha.


- Claro que não!


- Olha, sua história está tal qual seu pai contou?


- Do mesmo jeito que papai me contou.


- Sim. Inventou o nome Tuca, fazendo uma homenagem ao nome da mãe de Zeza, certamente.


- Não, Julinha, foi coincidência. O nome da vendedora de doces da história de papai era Tuca mesmo.


- E quem contou essa história para seu Roberto? - perguntou Julinha com curiosidade.


- Agora sim, Julinha, foi uma história que ele ouviu na infância - sorriu Aline.


- Por que tanta pergunta? Tá tão confuso assim fazer o final? - perguntou Aline.


- Que nada! O começo e o meio é que estão complicados! Por enquanto não estou nem pensando no final para essa história. Olha, vou ter que desligar, pois preciso de outras informações. Não fala nada para a Zeza que liguei pra você, olha a nossa combinação!


- Tá certo – falou a obediente Aline.






Julinha foi até a sala da pensão e encontrou dona Clarisse assistido televisão. Desligou e olhou firme para a dona da pensão.






- Me escuta! - em tom de angústia.


- Menina! Tava na melhor parte da novela - reclamou dona Clarisse.


- Desculpa, dona Clarisse, mas eu preciso te perguntar umas coisas - falou Julinha sentando-se ao lado de dona Clarisse.


- Fala, minha doidinha - disse a dona da pensão em tom carinhoso.


- Os nomes? – perguntou Julinha nervosa.


- Nomes de quem? - sem entender.


- Da vendedora de doces que se apaixonou pelo universitário dentro do ônibus.


- Mas meu Deus! Lembrasse dessa história?


- Os nomes, dona Clarisse.


- Ela era Tuca e ele era Beto.


- E essa história existiu? - segurou no braço de dona Clarisse.


- Claro, filha. Presenciei tudo - assustou-se dona Clarisse pelo interrogatório de Julinha.


- E o nome do circo? - implorou.


- Acho que a Tuca nunca me disse o nome do circo que eles começaram o namoro - falou pensativa.


- Nem a senhora tinha me dito que eles haviam começado o namoro no circo.


- Então como você descobriu? - estranhou dona Clarisse.


- Deixa pra lá. Essa Tuca era muito sua amiga? - insistiu Julinha nas perguntas.


- Ô! E como! Vivia comendo os doces dela. E o nome desse rapaz decerto era Roberto – falou Julinha tentando ir mais além.


- Era sim! Roberto Albuquerque.


- Então quer dizer que Roberto Albuquerque é Beto, Betinho?


- Menina. Tenha dó! Aonde você quer chegar? - levantou-se com dificuldade do sofá.


- No final da história, dona Clarisse, no final da história! – falou Julinha indo para a cozinha beber um copo com água - Dona Clarisse, a senhora ainda tem contato com essa doceira da história? - perguntou Julinha voltando da cozinha com o copo na mão.


- Disse a você que nunca mais tive notícias. Nem ela deu notícias, nem eu fui mais atrás.


- O que ela fez, depois que teve a filha desse Beto?


- Num tô dizendo a você que Tuca sumiu no mundo. Fez uma ligação para mim e desse dia pra cá, nem, nem. Ela na verdade vinha ter a filha na capital, ia ficar na minha casa, mas acabou tendo o filho no meio do caminho. Ela não queria dizer a mãe dela que estava grávida, escondeu a barriga os nove meses de dona Ana Cecília.


- E o pai dessa doceira? - perguntou Julinha.


- Tuca não teve pai. Morreu atropelado. Ela ainda estava na barriga da mãe.


- Atropelado! Não conheceu a tal Tuca? Como é o nome desse homem?


- É querer demais, eu sei lá o nome do pai de Tuca!

























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