sábado, 7 de agosto de 2010

Curta agora o terceiro capítulo de Doce Fruto















3 - DOCE CANÇÃO





O grande salão de cerimoniais do Tribunal de Justiça estava repleto de flores e de gente. Ao lado do caixão, a viúva juíza Marta e Carla, única filha do casal. O som ambiente tocava uma doce canção instrumental.


Beto ficou atordoado com toda aquela situação e lembrou dos cinco doces. Talvez fosse melhor apenas entregá-los para Carla, do que dizer meus pêsames!


Aproximou-se e tocou nos cabelos da colega, não falou nada, apenas abraçou-a.






- Clarisse está na porta com Tuca e estão um pouco constrangidas de vir até aqui, é um ambiente muito familiar, mas eu não podia deixar de comparecer.


- E eu estou feliz por você estar aqui, estou me sentindo sem chão. Sim, muito obrigado pela coroa de flores.


- A coroa !? - admirou-se Beto.


- A coroa de flores que seu pai, sua mãe e você nos mandou.


- Não há de quê! – falou Beto com a eterna sensação de segurança que seus pais lhe proporcionavam.


- Diga a Tuca e Clarisse que estou mandando um beijo para as duas, mas infelizmente não posso sair do lado da mamãe, ela não está nada bem.


- Não se preocupe, eu dou o recado. Nos encontramos mais tarde, no enterro. Até mais, Carla.






Um sentimento maluco invadiu Beto naquele momento. Perder o pai assim, antes de completar vinte anos de vida, antes de terminar a faculdade. Indefesa! Beto via a colega como alguém que precisava de proteção. Mas namorar Carla, era o remédio? Quanta bagunça em sua cabeça! Vamos por ordem: ir para casa, se arrumar e depois comparecer ao enterro. Carla precisava dele. Mas tinha tanta gente ao seu redor. Vamos reorganizar os pensamentos: sair dali, não ir para casa, convidar Tuca... para quê?






- Tuca, onde está a Clarisse? - perguntou Beto chegando na saleta de espera da central de velórios.


- Acabou de receber um telefonema do coordenador. Teve que ir.


- E você ficou?


- Fiz mal? Vim lhe acompanhando e tinha que ficar por aqui.


- Não quero ir para o enterro. Mas algo lá dentro me diz para ir - falou o eterno confuso Beto.


- Beto, o teu coração diz isso mesmo? - perguntou Tuca olhando com firmeza nos olhos do jovem.


- Tuca, eu não posso ser impulsivo, isso é complicado para minha futura profissão. Tenho que medir cada passo que vou dar.


- Isso é na sua profissão, homem, mas você também é um ser humano, não é o tempo todo profissional.


- Vamos para o circo? - perguntou Beto bruscamente.


- O que é isso?


- Bem, circo é um lugar com formato redondo, coberto por uma lona, e...


- Doutor Roberto, eu sei o que é um circo. Estou perguntando se você com esse convite, está sendo impulsivo.


- É. Estou sendo impulsivo. Não quero ir para o enterro, quero sorrir bem muito com o palhaço, quero estar ao seu lado...


- Parabéns, estamos evoluindo!


- Dona Lídia não diria o mesmo.


- Sua mãe? – perguntou Tuca dando a mão a Beto e se encaminhando para a calçada.


- É. Dona Lídia é osso duro de roer. Sempre exigiu muito de mim. Me deu de tudo, é verdade, mas sempre quis que eu andasse na linha. Mas, sabe, Tuca, estou tão feliz agora. Numa calçada, de mãos dadas com você, indo para...


- Um circo? - perguntou Tuca para ratificar o convite.


- É. Um circo. Foi isso mesmo que eu falei?


- Foi - respondeu Tuca com ar de riso.


- De onde tirei isso? - perguntou Beto com o mesmo ar.


- Do impulso.


- Mas essa hora não tem circo, só no final da tarde.


- Tá vendo aquela pracinha?


- Sim. A gente fica um pouquinho lá, ao meio dia, almoçaremos naquele boteco ali – falou Tuca apontando – Depois tomamos um sorvete e pegamos um ônibus para ir ao circo.


- Eu só tenho a passagem do ônibus de volta para casa – falou Beto contando o dinheiro da carteira.


- Posso patrocinar tudo isso: almoço, sorvete, ônibus e circo?


- Mas, Tuca, o seu apurado vai todo embora. Olha, eu peço tudo ao papai e lhe pago amanhã na universidade.


- Beto. Eu trabalho tanto, tenho às vezes direito de fazer esse tipo de coisa. Para te falar a verdade, eu nunca fiz uma programação assim, mas hoje me bateu a maior vontade. Nada como sentir essa liberdade com alguém que também não a conhece.


- E não conheço mesmo. Sempre estive muito envolvido com livros, estudo... diversão que é bom, nada.


- E eu só trabalho. Somos a companhia perfeita para o dia de hoje - afirmou Tuca.


- E a Carla? - perguntou Beto, ainda inseguro.


- Você passa cinco telegramas para ela hoje, dizendo que por motivos de força maior, não pôde comparecer ao enterro, e...


- Você não esqueceu ainda os cinco doces, né?


- Beto, eu não esqueço absolutamente nada. Olha para mim. Tuca, 18 anos, praça Isaura Bezerra Cavalcanti, onze horas da manhã, clima agradável, começo de uma programação que vai chegar até a noite. Gravou?


- Gravei. Vamos conferir. Beto, 19 anos, diante de uma felicidade nunca sentida. Gravou também?






Beto e Tuca passearam ainda de mãos dadas por aquela imensa praça, olhando as árvores que rodeavam por ali. Decidiram sentar um pouco. Dois corações pulsando. Só se conheciam há poucas semanas, mas todos os encontros foram singulares.


Beijar. Queriam beijar. Talvez um beijo desacelerasse aqueles corações que palpitavam tão fortemente. Sei lá.






- Não fala nada, Beto.






Os lábios se aproximaram.






- Não fala nada, Tuca.






Beijaram-se demoradamente. Naquelas mentes, só o prazer proporcionado pela paixão passeava por ali.






- Pelos poucos dias que te conheço, Beto, já sei qual é a pergunta que deve estar na sua cabeça – falou Tuca com uma voz embriagada de paixão.


- Qual? - indagou Beto.


- E agora? Somos namorados?


- Somos? – perguntou Beto aproximando-se mais uma vez dos lábios de Tuca.


Mais um beijo em meio a toda aquela vegetação. Pergunta sem reposta. Somos?


Depois de alguns minutos, levantaram-se dali e foram almoçar. Após o almoço, um sorvete, mais algumas voltas na praça e finalmente o ônibus. Onde tudo começou.






- Somos?


- Beto, vamos viver esse dia. Vamos ao circo. Vamos depois para as nossas casas e só lá a gente mergulha novamente na nossa realidade.


- Vamos então viver esse sonho, sem pensar que existe amanhã.


- Qual o circo que iremos?


- Tem dois montados. Um na rua Francisco de Melo e outro na José Martins.


- Vamos para o da Francisco de Melo que é maior, mais bonito.


- É o Circo Cristal.


- Pois bem, é esse mesmo.


- Engraçado! Por que a idéia de um circo?


- Sabe, Tuca, a última vez que fui para um, foi no dia do velório de vovô, pai de papai. Então mamãe achou aquilo tudo muito pesado para mim e Luna, então decidiu ir para um circo. Papai até achou meio absurdo, o vô tinha acabado de ser enterrado e a gente ir pra o circo com mamãe. Mas saiba que quando saí do circo, depois de ter visto o palhaço, eu estava me sentido a pessoa mais feliz desse mundo.


- Circo tem essa magia mesmo. A última vez que fui, foi lá em Santa Paz.


- Santa Paz?


- É. Cidade natal da minha família inteira - falou Tuca com o olhar distante.


- Você também nasceu nessa Santa Paz?


- Não. Nasci aqui mesmo na capital, mas o resto da família e toda de lá. Bem, resto é maneira de dizer. Agora lá, só tem a minha madrinha, tia Nalda. Meus avôs maternos morreram, um irmão de mamãe também e só sobrou tia Nalda.


- Já estamos perto do circo? - perguntou Beto.


- Bem pertinho. Quando cruzarmos a Maria Augusta Carvalho já estaremos lá.


- Você conhece tudo pelos nomes, sabe andar a cidade inteira - admirou-se Beto.


- Fui acostumada assim. Sempre andei tudo isso com dona Ana Cecília.


- Sua mãe?


- Minha santa mãe.


- Você não tem pai?


- Não, faleceu cinco dias depois de descobrir que mamãe estava grávida de mim.


- Que pena! Acidente?


- Atropelado!


- Chegamos? - perguntou Beto.


- Pode pedir parada.






A sessão ia começar dentro de dez minutos. Compraram pipocas, refrigerantes... começaram a assistir ao espetáculo. Quanta magia! Quantos beijos. Quanta felicidade!

































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